sábado, abril 30, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica XI

O que este quadro poderá ter de útil para o nosso problema é fornecer uma hipótese de trabalho credível, ou seja, de que existem esferas autónomas de edição, que trabalham segmentos distintos do público. Será de excluir a esfera avant-gard da produção literária-editorial, porque só tardiamente, na primeira metade do século XX, é que este tipo de movimento se começa a manifestar com alguma consistência no nosso panorama. Assim, dividimos a actividade editorial e o público em Académico ou Erudito e Popular. E os autores e a sua produção? Aí as coisas são mais complexas. Os autores podem saltar de um registo para outro sem qualquer pejo (o caso de Camilo é emblemático) e desconfio que se fosse possível desvendar a autoria das obras anónimas ou editadas sob pseudónimo não deixaríamos de ter algumas surpresas. A obra literária em si nem sempre é fácil situar e, por outro lado, as relações entre a literatura popular e erudita não são tão taxativas que se possam resolver segundo uma lógica de oposição.[1] Vamos manter estas oposições, provisoriamente, por motivos estratégicos e metodológicos. Mesmo considerando a sua fragilidade. Vamos adiar um balanço crítico dessas oposições para uma fase mais avançada e consolidada do nosso percurso.

[1] CHARTIER, Roger – A História Cultural. Entre práticas e representações, Lisboa, Difel, 1988, pp. 54 a 67

quinta-feira, abril 28, 2005

S. Jerónimo Ouvindo a Trombeta (Ribera, 1626)

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Cadeia do Livro e Imprensa Periódica X

A transposição deste quadro da realidade francesa para a realidade nacional não é de todo possível, pelo menos na sua total extensão e lógica. A França é, à altura, uma superpotência editorial, com elevada taxa de leitores, com a industria tipográfica, editorial e o comércio livreiro disseminado por todo o território (Lyon, apesar de não tão importante como Paris, é um pólo difusor do livro importantíssimo) e que conseguiu criar um mercado de exportação tão ou mais importante que o mercado interno. Em contrapartida, as nossas elites, já para não falar no resto, nunca foram grandes consumidoras de literatura, o complexo produtor do livro encontra-se concentrado em Lisboa, Coimbra e Porto, sem que uma rede de distribuição eficiente cubra a restante província e sem o suporte de um mercado externo, mesmo apesar do Brasil, que resguardasse os investimentos no sector.

quarta-feira, abril 27, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica IX

Creio que a solução possível para ultrapassar estas dificuldades será a de partirmos do pressuposto de que o universo de consumidores é socialmente heterogéneo, não se ficando apenas pelas classes altas e instruídas e que em virtude disso o universo editorial e literário também será, por sua vez, heterogéneo. Na monumental obra Histoire de l’Édition Française, dirigida por Roger Chartier e Henri-Jean Martin este pressuposto é aplicado[1] resultando daí que tivessem sido distinguidos três níveis de público, aos quais correspondem três esferas editoriais. Em primeiro lugar, temos a esfera académica que comporta a literatura tradicional, que ocupa o topo da hierarquia em termos de reconhecimento social e académico, tem um número considerável de leitores que consomem os grandes géneros: poesia, teatro sério, romance psicológico ou mundano, e estes leitores são pouco tolerantes com a inovação. No lado oposto, temos a literatura avant-guard que se dirige a outros escritores e a outros letrados que constituem um universo bastante restrito, e esta esfera diverge dos procedimentos académicos e clássicos de consagração, pelo seu aspecto inovador e por não conseguir penetrar na edição industrializada, desenvolvendo, por isso, estratégias alternativas de divulgação que constituem por si um novo circuito: pequenas revistas, ciclos e salões para iniciados, banquetes e comemorações, recitações públicas, subscrições e fundação das suas próprias casas editoriais. Por último, entre estes dois extremos, ficam a maioria dos autores e respectivos editores que pretendem atingir o grande público, o público popular. É o território dos romances-folhetins publicados em jornais.

[1] CHARTIER, Roger e MARTIN, Henri-Jean (Dir.) – Histoire de l’Édition Française. Tome III, Le temps des éditeurs. Du Romantisme à la Belle Époque, Paris, Promodis, 1985, pp. 132 e 135

terça-feira, abril 26, 2005

Retrato de Archibald Campbell (A. Ramsay, 1749)

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Cadeia do Livro e Imprensa Periódica VIII

Estes dados colidem com outros dados. Sabe-se que saíam centenas de títulos por ano das tipografias para o mercado, embora com pequenas tiragens a nível do território nacional, segundo atestam as investigações de Joel Serrão referidas por A. Cruz. Relativamente ao Porto, verificámos, a partir do rastreio feito ao jornal de anúncios da Typographia Commercial Portuense “O Gratuito[1] a existência de quinze[2] estabelecimentos comerciais que se especializaram no comércio de livros por venda directa ou por subscripções. As lojas de Livros que anunciaram a sua actividade nesta folha foram: na Rua dos Caldeireiros: Gonçalves Guimarães, Pereira Dias, Cruz Coutinho e António José Rebello Guimarães; na Rua das Hortas: Julio da Silva Cardoso e Novaes; na Rua das Flores: Calder e Mengo; no Largo de S. Eloy: Queiroz Basto e loja de Livros não identificada; na Rua de S. António: Moré e Imprensa Faria Magalhães; na Rua Cima do Muro e na de Ferraria e Cima existem também lojas de Livros não identificadas; no Largo de S. João Novo, originalmente, e depois em Belmonte: a Typographia Commercial Portuense que é a única que anuncia explicitamente a prática de edição, para além da vendas de livros e subscrições anunciados por todos os outros. Mesmo que não se trate, em muitos dos casos, de casas de comércio exclusivo do livro (o comércio retalhista, em todo o caso, só tardiamente procura a especialização) ou que até nem exerçam regular ou irregularmente o papel de agente editor, a verdade é que a sua presença pressupõe um mercado motivado para a aquisição do produto livro.

[1] Trata-se de um jornal exclusicamente de anúncios, editado pela Typographia Commercial Portuense, propriedade de Francisco Joaquim Maia, que vai assumindo diversas denominações entre 1840 e 1847: O Echo dos Commerciantes (1840) entre 22 de Agosto e 22 de Setembro; A partir de 25 de Setembro passa a chamar-se Annuncios da Typographia Commercial Portuense (1840), mantendo esta denominação apenas até 21 de Novembro; A partir de 25 de Novembro do mesmo ano passa a intitular-se O Aviso Mercantil (1840-41), passando a bissemanal, saindo o seu último número a 27 de Março de 1841; A mesma casa tipográfica, que entretanto investe na renovação tecnológica da oficina, relançando a folha a 4 de Janeiro de 1842, mas novamente com outro título: O Gratis – Jornal d’Annuncios da Typographia Commercial Portuense (1842), o qual sobrevive muito pouco tempo; No mesmo mês, a 22, muda o nome para O Gratuito – Jornal da Typografia Commercial Portuense (1842-47).

[2] RIO FERNANDES, José Alberto – Porto. Cidade e Comércio, Porto, Arquivo Histórico / Câmara Municipal do Porto, 1997, p. 68. O autor, sustentando-se no testemunho de Gomes Amorim afirma que antes da década de 50 o Porto tinha apenas duas livrarias, a Moré e a Cruz Coutinho. Os dados recolhidos deste jornal de anúncios permitem uma outra leitura...

segunda-feira, abril 25, 2005

Artemisia (Rembrandt, 1634)

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sábado, abril 23, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica VII

Na mesma obra é ainda abordada a questão da Educação e Cultura e, especificamente a questão da posse de livros[1] perspectivada a partir dos inventários orfanológicos. Aí apurou-se que as obras detectadas eram tendencionalmente ligadas à profissão dos proprietários (códigos de leis, temas de medicina e de comércio). Em grande abundância encontraram-se muitos títulos de história, dicionários, livros religiosos e gramáticas. Apenas 9% dos casos analisados tinham obras literárias no seu património. Outros dois factores vêm a agravar o cenário: apenas foram encontrados livros em inventários de proprietários, funcionários superiores, profissionais liberais e negociantes; e recenseou-se uma presença muito forte da edição francesa, o que, se por um lado significa um poliglotismo nestas classes, por outro lado poderá significar a fraqueza da nossa produção editorial, insuficiente para satisfazer as necessidades dos consumidores, mesmo quando se trata, como parece ser o caso, de leitores pouco sofisticados. Aliás, esta tendência também se manifestava nas aquisições Biblioteca Municipal do Porto, que se faziam sobretudo à custa do mercado francês[2].

[1] Idem, ibidem, pp. 430 a 434
[2] A este propósito, o trabalho preliminar de prospecção por nós elaborado sobre os catálogos de obras que deram entrada na Biblioteca Municipal do Porto neste período, vem ao encontro do que aqui se afirma. Constatou-se o predominío do livro importado, em especial de França, e fraca expressão do livro nacional, bem como a quase inexistência de obras editadas no Porto.

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica VI

Acredito que a existência de uma burguesia forte, que tornou o Porto conhecido como cidade de trabalho e de comércio, poderá estar relacionada com a existência de um mercado do livro nessa cidade. É natural que constituissem os burgueses o mercado de consumo do bem em causa. Assim, pensava eu, sem qualquer cautela de maior, até ter deparado com as investigações de Maria Antonieta Cruz[1] em torno dos burgueses do Porto nesse período. Alguns dados por ela compilados e tratados revelam indícios de que a situação era mais complexa do que estaria inicialmente à espera. Assim, verificou-se as habilitações literárias dos eleitores portuenses (chefes de familia que sabiam ler e escrever) eram em 1847 as seguintes: nula – 15.4%; Primária – 70.1%; Secundária – 9.6%; Superior – 4.7%[2]. Ora, tão baixas qualificações não são compatíveis com o perfil de um consumidor de livros. Ponderou-se, de seguida, a possibilidade de a minoria dotada de habilitações literárias mais elevadas, ser possuidora, em simultâneo, de riqueza, de tal modo que da acumulação feliz de riqueza e formação académica nos levasse a uma elite altamente consumidora do objecto livro. Mas os dados parece que contrariaram em definitivo esta expectativa, a ponto de M. Cruz ter considerado que «Fica comprovado, ao que pensamos, que não existia na segunda metade do século XIX, na cidade do Porto, uma relação directa entre abastança e escolaridade,...»[3].

[1] CRUZ, Maria Antonieta – Os burgueses do Porto na segunda metade do século XIX, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1999
[2] Idem, ibidem, p. 98
[3] Idem, ibidem, p. 275

quinta-feira, abril 21, 2005

A Madonna do Peixe (Raphael, 1513)

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quarta-feira, abril 20, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica V

Não podemos, no entanto, ignorar a mais elementar das verdades da economia: sem consumidores, não há mercado. A abordagem ao primeiro elo da cadeia deverá começar pelo elo final. O espaço/tempo em que a nossa investigação se movimentará é a Cidade do Porto na segunda metade do século XIX. O Porto chega até à década de 90 do século XX com um impressionante conjunto de livrarias e editoras, algumas com expressão nacional. Esta (boa) relação da cidade com o livro parece ter tido um antecedente importante no século anterior. Vários livreiros estão referenciados e alguns editores são ilustres conhecidos não só no Porto, como também em Lisboa e resto do país. E não me parece necessário recordar aqui as figuras de primeiro plano da história da literatura que a cidade foi produzindo nessa época. O que me atraiu a atenção foi a curiosa circunstância de o Porto, à partida, não parecer manifestar as melhores condições para fazer despertar e sustentar um mercado livreiro. O grande centro político, à volta do qual a cultura tendencialmente gravita, é Lisboa, o centro académico é Coimbra, o centro religioso é Braga. Porto não é dotado de grandes elites políticas e culturais, não possui uma Universidade (só em 1825 é que é criada a Escola Médico-Cirurgica e em 1836 a Academia das Bellas-Artes; Coimbra vai continuar ainda por muitas décadas como principal destino dos estudantes portugueses), nem sede de arcebispado. Tudo circunstâncias que ajudariam a explicar a produção e circulação do livro. E, no entanto, ela existe.

terça-feira, abril 19, 2005

Nossa Senhora e Menino (Rubens, 1625)

segunda-feira, abril 18, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica IV

Voltando ao ponto de partida a partir do ponto em que estamos. Para poder analisar o universo de um mercado de um bem cultural, cujo valor não é, obviamente apenas o seu valor económico, mas também o seu valor simbólico no ecossistema ideológico-social de uma época, é legítimo fazê-lo a partir da figura pivot do editor que tem o privilégio da ubiquidade por tutelar o dito mercado. O pressuposto de que partimos é o de que a construção da “cadeia do livro” faz-se a partir da autonomização do editor, pelo que a própria cadeia na sua totalidade e cada um dos seus elos devem ser apreendidos a partir daí. É esta a nossa aposta.

domingo, abril 17, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica III

Voltando à “cadeia do livro” propomo-nos a abordar a partir do agente editor porque consideramos que é a chave do mercado do livro industrial. O editor, enquanto elo autónomo desta cadeia, isto é, que não se confunde nem com o livreiro e nem com o tipógrafo, é uma realidade que se revela pela primeira vez e na sua total extensão no século do romantismo. É uma nova figura que se vai colocar numa posição mais ou menos equidistante em relação aos outros constituintes da cadeia do livro, desempenhando funções intermédias, mas absolutamente necessárias, entre o autor, o impressor, o distribuidor e o mercado. Interessa-nos saber em que medida a sua presença activa condiciona a produção intelectual e o consumo cultural, numa primeira leitura, e em que medida influi nas representações intelectuais fundamentais de uma comunidade sobre si própria e sobre o mundo, numa segunda leitura mais ambiciosa.

sábado, abril 16, 2005

Anunciação (Poussin, 1655)

Reflexão 3 (Carlyle)

«A história universal é um texto provisório que somos obrigados a ler e a escrever sem descanso e onde, ao mesmo tempo, nos escrevemos a nós.»

sexta-feira, abril 15, 2005

Proteste!


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Cadeia do Livro e Imprensa Periódica II

Interassa-nos compreender a génese desta cadeia. A relação entre o autor e o leitor não passou incólume à segunda revolução de Gutenberg. É nossa convicção que as novas condições tecnológicas, económicas e sociais (impressão mecanizada, meios de comunicação e transportes incomparavelmente mais rápidos e distribuidos, relativa vulgarização das competências de leitura, ambiente de descompressão social e de liberalismo económico) redefiniram por completo o quadro do mercado livreiro. Não apenas porque houve uma especialização de cada um dos agentes, restringindo e aprofundando o seu campo de intervenção, mas também porque a natureza do autor e do leitor, logo a natureza da própria literatura, se modificou de uma forma irreversível.

quinta-feira, abril 14, 2005

Cadeia do Livro e Imprensa Periódica I

Vamos adoptar (e adaptar) como ponto de partida o conceito de “cadeia de livro”, trabalhado por Jorge M. Martins (Marketing do Livro. Materiais para uma sociologia do editor português. De Camilo à internet, o prazer de editar. Oeiras, Celta Editora, 1999), no qual se destinguem cinco elos, cabendo a cada um as seguintes funções:
1. Autores – produtores de conteúdos (escritores, redactores, coordenadores editoriais, tradutores, artistas e ilustradores;
2. Editores – Mediadores entre autores e mercados, mediante recurso a pericialidades terceiras, a montante e a jusante;
3. Impressores – pré-impressão, impressão e acabamento;
4. Distribuidores – canais directos (clubes, feiras, correio directo, porta-a-porta); canais indirectos (distribuição, impor/expor, livrarias);
5. Mercados – Bibliotecas, mediadores culturais, geografias de destino da língua, consumidores de informação, leitores.

quarta-feira, abril 13, 2005

Madonna Connestiabile (Raphael, 1504)


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terça-feira, abril 12, 2005

Capitalismo e Cultura V: Anúncio 2

Entretanto, começam a aparecer também os populares romances ilustrados, a baixo preço em virtude da fraca qualidade do papel e das grandes tiragens.
Para afirmarem uma imagem de marca junto do público os editores começam a recorrer ao conceito de colecção: formato constante, capa standard com a indicação da morada da casa editora, uso da cor, numeração dos volumes, renovação periódica dos títulos e a oferta de brindes e promoções a este propósito não resistimos a transcrever o seguinte anúncio que saiu a 30 de Março de 1883 no “Jornal das Associações” (Porto), apesar da sua extensão (o mais extenso anúncio que encontrámos até agora na imprensa da época) é exemplar perfeito destas estratégias de sedução do público:

«A VIDA DAS FLORES por Alphonse Karr e Taxile Delord traduzido por uma sociedade litteraria sob a direcção de Duarte d’Oliveira, Junior.
Obra illustrada com magnificas chromo-lithographias executadas por distinctos artistas.
A Vida das Flores é um livro tentador. Basta abril-o ao acaso e ler uma página para que não se resista desde logo ao desejo de conhecel-o todo. É uma leitura cheia de amenidade e repassada de dulcissimos perfumes. Sob uma fórma ligeira poetica e seductora estudam-se e corrigem-se os defeitos sociais e penetra-se no imo do coração do homem e na alma da mulher para descobrir o que teem de bom e de mau, e guial-os para um fim sempre nobre e alevantado, ora pela satyra pungente, ora por meio de descripções maios ou menos ficticias, mas sempre com um fundo de verdade.
As flores, transformadas, por uma engenhosa e bem imaginada fabula, em seres vivos, que chegam á terra em busca de felicidades ideaes e que só encontram desenganos, as flores, repetimos, dão margem para que se faça toda a especie de considerações, para que se exalte a nobreza d’alma e para que se applique doloroso cauterio àquelles que pelo seu proceder, não devem pertencer à sociedade culta.
O leitor sentir-se-ha captivado ao percorrer as primeiras páginas, já pela originalidade do assumpto, já pelas varia dissimas scenas que se desenvolvem de capítulo para capítulo.
Este é um livro de poesia e de amor, e no qual a flor dá a mão à mulher e a mulher o braço á flor. São duas identidades distinctas, mas consubstanciadas numa só. Quem diz flor, diz mulher, e ambas nos seduzem egualmente: uma com o seu perfume inebriante, a outra com a finura do seu espirito cultivadissimo.
Obra de tanto merecimento e de tão subido interesse, impunha-nos o dever de empregar todos os meios e de fazer todos os sacrificios afim de apresental-a em edição de luxo, em papel superior e typo elzeveniano fundido expressamente para esta publicação.
As chromo-lithographias para o 1º Volume, já se acham executadas, e são todas verdadeiros primores artisticos, tanto na concepção, como na execução. Cada estampa é feita a 12 e 15 côres, e por isso, facilmente se comprehende que devem ser de grande valor. Os desenhos téem aquella vida e originalidade que só insígnes artistas sabem imprimir a este genero de trabalhos. A versão foi confiada a pessoa competentissima e accomodade aos usos do nosso paiz, e a parte relativa ao tractamento das plantas e aos cuidados que demandam para que prosperem, soffreu todas as modificações necessarias.
Esta parte tem por título «Botanica e horticultura das Damas» e, sendo interessantissima, como vem complementar a VIDA DAS FLORES, que realmente reune o util ao agradavel – utile dulci.
Agora que, todos, especialmente as senhoras, revelam um gosto decidido pela cultura das flores, as quaes se tornam adorno e companheiras da nossa existência no jardim, na sala e no «boudoir», nada mais a propósito do que ensinar agradavelmente como elas se tratam, os cuidados que requerem, os desvelhos e mimos de que são merecedoras.
Dito isto, e ficando exposto ainda que muito resumidamente o merito d’esta obra, passamos a apresentar as
CONDIÇÕES DA ASSIGNATURA
A VIDA DAS FLORES formará 2 volumes de 480 paginas cada um, in-4º, illustrados com 60 magnificas chromo-lythographicas a 12 e 15 côres.
As capas de brochura para cada um dos volumes, serão impressas a 6 cores e offerecidas GRATUITAMENTE aos seus assignantes.
Receberão tambem GRATUITAMENTE o frontispicio para cada um dos volumes, são 2 explendidas chromo-lythographias, admiraveis em composição e colorido. Além disso, todos os assignantes terão direito a
DOIS BRINDES EXTRAORDINARIOS que serão entregues ao concluir cada um dos volumes. Esses brindes constam de 2 oleographias a vinte cores, representando a PRIMAVERA e o OUTONO e medindo 52 centimetros de alto por 35 de largo. Os originaes foram pintados a oleo, expressamente para este fim, pelo exime artista e distincto professor de escola de Bellas Artes de Barcellona, D.R. MARTI Y ALSINA.
O valor de cada um destas oleographias é de 2$ réis, de forma que os brindes offerecidos aos seus assignantes valem 4$00 réis.
Apesar da enormes despezas e empate de capital, que demanda esta importante edição, o preço de cada folha de 8 paginas é de 50 reis e 100 reis as chromo-lythographias. A obra completa comprehenderá, em resumo, 960 paginas de texto, 60 chromos de 12 e 15 côres, 2 frontispicios de notavlem efeito; 2 capas para brochura dos 2 volumes, a 6 côres, e desenhos differentes; 2 oleographias, para quadro a 20 côres. É DIVIDIDA EM 60 FASCICULOS QUINZENAES contendo cada fasciculo ou entregue com competente capa, 16 PAGINAS DE TEXTO e uma chromo-lythographia, pelo mesmo PREÇO DE CADA FASCICULO 200 REIS.
As assignaturas em LISBOA são pagas aos distribuidores no ACTO DE ENTREGA e nas PROVINCIAS, ADIANTADAMENTE, ás séries de 2, 3 ou mais fasciculos. As despezas de remessas são á custa da empreza e a distribuição de cada fasciculo é feita nos dias 5 e 20 de todos os mezes.
Todas as pessoas que angariarem 10 assignaturas realisaveis terão direito a um exemplar gratis.
A impressão do texto e dos chromos acha-se adiantada e a belleza e importancia da obra podera facilmente ser avaliada compulsando-se os ALBUNS-SPECIMEN que se encontram em poder dos nossos distribuidores e principaes correspondentes. As oleographias acham-se tambem expostas nas principaes livrarias do reino e do Brazil. Começa a distribuição regular d’esta obra em 5 de Abril – 1883.
Os pedidos de assignatura devem ser dirigidos à casa editora DAVID CORRAZI, 40, Rua da Atalaya, 52, Lisboa, e a todas as livrarias e correspondentes da mesma casa.»

segunda-feira, abril 11, 2005

Capitalismo e Cultura IV: Anúncio 1

A publicitação destas edições em fascículos era feita na imprensa generalista, através de anúncios que expunham minunciosamente as condições de aquisição, como neste exemplar recolhido no “O GRATIS – Jornal d’Annuncios da Typographia Commercial” do Porto a de 12 de Maio de 1842:

«BIBLIOGRAPHIA
ROMANTICA, INSTRUCTIVA E DELEITOZA
MOVIDOS pelo fervido desejo de subministrar aos nossos Compatricios, uma leitura instructiva, e deleitoza, propalando, entre nós, o conhecimento dos mais famigerados autores estranhos, em pura, e castiça lingoagem luzitana; nos ocorreu verter do idioma original (Inglez) como ensejo de nossas tarefas, o excellente Poema de Sir Walter Scott = A Dama do Lago =; os escriptos deste laborioso litterato, immortal fama lhe hão grageado entre as cultas Nações da Europa; se esta producção alcançar a ventura de merecer a contemplação de Publico illustrado, proseguiremos o nosso louvavel empenho publicando mais producções deste, e de outros afamados autores Francezes, Italianos, Hespanhoes, Alemães, e Inglezes, sob as condições seguintes:
Sairão semanalmente duas folhas, impressas com optimo typo, e bom papel nacional.
Cada volume será ornado com uma estampa. Preço para os Srs. Assignantes por duas folhas ou 32 paginas 40 rs. e por cada estampa 30 rs. pagos no acto da recepção.
Os Srs. da Provincia e termo d’esta capital, pagarão 480 rs. adiantados e assim successivamente com a entrega de cada 24 folhas, ou doze cadernetes. Tanto os ditos Srs. de Provincia como os d’esta capital, que nos queiram honrar com as suas assignaturas se deverão dirigir a A. U. P. de Castro, Rua nova de Palma N.º10 1.º andar, em Lisboa, e no Porto á Rua de S. Bento N.º17.
N.B. Se houver quinhentas assignaturas dar-se-hão as estampas bem como capas impressas (gratis)».

domingo, abril 10, 2005

Capitalismo e Cultura III

O aparecimento do jornal a baixo preço, como o Diário de Notícias em Lisboa no ano de 1864 que conseguiu manter preços competitivos através de grandes tiragens e o recurso intensivo à publicidade (modelo que virá a ser copiado pelos principais periódicos do Norte), vem facilitar o acesso do público em geral à imprensa e, por consequência, ao folhetim, contribuido assim para a popularização do género.
Para concorrer com o folhetim no seu próprio terreno, os editores começam a adoptar algumas técnicas e estratégias da imprensa periódica. Alguns editores começam a publicar obras em fascículos que saiam regularmente e a um preço mais baixo. Este método de difusão é sobretudo utilizado na publicação de obras ilustradas, compreensivelmente mais caras e que viam na venda seccionada uma oportunidade de escoamento junto das classes não tão favorecidas, mas que manifestavam forte aptência pelo consumo do produto livro.

sábado, abril 09, 2005

Capitalismo e Cultura II

O folhetim contribuiu para popularizar certos novelistas e tornar conhecida a sua obra. Castilho, enquanto editor da Revista Universal Lisbonense, exorta os autores a publicarem na sua revista excertos das suas novelas ou até mesmo o texto integral porque tal lhes traria a publicidade de que necessitavam. No que não deixava de ter razão. O leitor certamente apreciará reencontrar sob a forma de livro aquilo que não conseguiu ler integralmente no jornal e o editor acaba sempre por lucrar com uma publicidade que nada lhe custou. Quanto à influência do folhetim sobre o desenvolvimento do género do romance, ele traz o elemento suspense que decorre da estratégia de manter a atenção do leitor de um número para outro, motivando-o desse modo a adquirir regularmente o jornal para poder seguir o folhetim, o que o transformaram num elemento-chave no sucesso de venda da imprensa periódica. É ainda de referir que as exigências de espaço e cativação do leitor levaram a que as cenas descritivas fossem preteridas a favor de cenas dinâmicas e de diálogo, o que contribuiu em muito para o apuramento da estética literária da novela romântica.

sexta-feira, abril 08, 2005

Reflexão 2 (G. Steiner)

«El que no haya experimentado la fascinación llena de reproches de las grandes estanterías llenas de libros no leídos, de las bibliotecas nocturnas de las cuales Borges es el fabulador, no es un verdadero lector, un philosophe lisant. No es un lector quien no ha escuchado en su oído interior la llamada de los cientos de miles, de los millones de volúmenes contenidos en los fondos de la Biblioteca Británica o de la Biblioteca Widener, que piedem ser leídos. Porque en cada libro hay una apuesta contra el olvido, una postura contra el silencio que sólo puede ganarse cuando el libro vuelve a abrirse (aunque, en contraste con el hombre, el libro puede esperar siglos el azar de la resurrección). Todo lector auténtico [...] arrastra consigo el eco regañón de la omisión, de las estanterías de libros por las que ha pasado a toda prisa, de los libros sobre cuyos lomos ha pasado los dedos com ciego apresuramiento.»

Steiner, George. Pasión Intacta. Madrid. Ediciones Siruela, 1997, p. 23

quinta-feira, abril 07, 2005

Capitalismo e Cultura I

No Antigo Regime, o tipógrafo e o livreiro são os actores principais do mundo do livro. Acumulando diversas funções, entre as quais a edição no sentido moderno. A partir de meados de oitocentos a edição começa a separar-se das outras especialidades e o editor a partir do seu escritório começa a controlar todas as etapas da publicação, desde do manuscrito até à distribuição. O importante na sua actividade não é possuir uma loja de livros própria, mas de atingir um mercado o mais vasto possível.
A mecanização crescente da produção permite chegar a tiragens muito elevadas e de uma forma muito rápida, potenciando desse modo a competitividade. Ora, isto exige investimentos avultados que só a certeza ou pelo menos a probabilidade forte de um retorno lucrativo pode justificar. Aventureiros sempre existirão, contudo o livro é cada vez mais um negócio e tratado como tal, até porque procura não faltava.

terça-feira, abril 05, 2005

Reflexão 1 (J.-L. Nancy)

«Quer o queiramos quer não, há corpos que se tocam sobre esta página, ou melhor, ela própria é o contacto (da minha mão que escreve, das tuas que seguram o livro). Este tocar é infinitamente desviado, diferido - máquinas, transportes, fotocópias, olhos, outras mãos que se interpuseram ainda -, mas resta o ínfimo grão obstinado, ténue, a poeira infinitesimal de um contacto que por toda a parte se interrompe e por toda a parte se retoma. E no final, o teu olhar toca nos mesmos traçados de caracteres em que o meu toca agora, e tu lês-me, e eu escrevo-te.»
Nancy, Jean-Luc. Corpus. Lisboa, Vega, 2000, p. 51

História do Livro e História Local - II

No contexto histórico que nos interessa, o século XIX, a história do livro apesar de conceder muita importância à questão da evolução das técnicas de produção e de não ignorar de todo o autor, toca estas questões a partir da interrogação do papel do editor e do leitor. O princípio é abordar a produção e consumo do livro no quadro de uma economia capitalista e industrial ou semi-industrial. O nosso primeiro objectivo será, justamente, compreender a transformação do livro em objecto de consumo. Mas, dizia Valéry Giscard d’Estaing que «o livro não é um produto como os outros», e não é, de facto. É portador de significações e usos sociais específicos de cada época. A função e o conceito de livro do século XVIII já não será o mesmo no final do século XIX. Pelo meio existe todo um processo de dessacralização e de vulgarização do impresso que terá consequências sobre a mentalidade dos povos. A conivência entre as mutações sociais e culturais poderá ser bem visível a partir do observatório livro. E este é o nosso segundo objectivo: compreender as relações de mútua influência do livro e do quadro sócio-cultural. O nosso último objectivo, que compreende os anteriores, propõe o exercicío de fazer História Local a partir da História do Livro, na medida em que propomos a apreender as conexões entre a dinâmica da cidade do Porto na segunda metade do século XIX e a dinâmica editorial da mesma época. Em suma, propomo-nos a ler a cidade dentro do livro.

segunda-feira, abril 04, 2005

Historia do Livro e História Local - I

O domínio da História do Livro é um território onde muitos caminhos se cruzam a propósito do fenómeno do livro como a História Económica, a História da Literatura, a História Social e a História das Mentalidades, mas sem se deixar apropriar por nenhum destes domínios particulares. Durante muito tempo foi território exclusivo dos bibliógrafos e dos historiadores das técnicas de impressão, visitado esporadica e superficialmente não só pelas outras tribos de historiadores, como também pelos estudiosos da estética e da teoria da literatura. Desde da descoberta das suas potencialidades epistemológicas por Lucien Febvre, Henri-Jean Martin e Roger Chartier, entre outros, tem sido um território cada vez mais povoado, mas desta feita em vez dos especialistas de sempre, encontramos aí uma nova família de investigadores dotados de interesses e práticas interdisciplinares. O Livro repensado por estes investigadores é apresentado como um observatório a partir do qual velhas questões da história são revisitadas e a partir do qual novas questões são geradas, dado que a sua complexidade remete-nos para suas margens, compreender o livro implica compreender toda uma série de mecanismos sociais, económicos, ideológicos e estéticos. O livro obriga-nos a uma sutura epistemológica, a pensar de uma forma integrada aquilo que antes pensávamos parcelarmente.