segunda-feira, junho 20, 2005

O Sentido de Oportunidade I (Anúncios 12 a 17)

Um fenómeno interessante é a rapidez com que os editores, livreiros, tipógrafos, homens de letras e de ciências respondem às necessidades do momento. Em circunstâncias muito especiais relacionadas com surtos de doença, crimes, acontecimentos políticos, etc..., e em que é previsível uma forte aptidão para o consumo de edições sobre esses temas, a cadeia do livro do Porto parece reagir prontamente, disponibilizando edições para satisfazer essa procura localizada e de ocasião. Estas edições são, naturalmente, de caractér efémero – esgotando a sua razão de ser e atractividade em escassas semanas - mas de procura intensa durante esse curto período de tempo. O sentido de oportunidade permitiria a todos os intervenientes arrecadarem alguma receita extraordinária, nada desprezível apesar da modesta qualidade dessas publicações.
Um caso digno de estudo passou-se no ano de 1848 no Porto. Durante algumas semanas, a imprensa vai fazendo chegar aos ouvidos dos portuenses a existência de um surto de cólera-morbus que vai assolando muitas cidades europeias, com especial predominância nas cidades portuárias, como o Porto. Não tardou muito até que tivessem surgido os primeiros boatos de embarcações contaminadas a caminho da cidade e até mesmo de mortes suspeitas nas tripulações estrangeiras atracadas do Douro. O boato e as notícias criam o clima mental necessário para que o tema da doença desperte uma curiosidade fora do normal. É neste contexto que se dá um verdadeiro surto de... livros dedicados à cólera-morbus. Pelos anúncios publicados na imprensa é fácil acompanhar a evolução desse surto tipográfico (todos os anúncios foram extraídos do O Defensor Diário):

- 19 de Outubro de 1848 (Anúncio 12):
«No livreiro Gonçalves, rua dos Caldeireiros, vende-se uma pequena oração, disposta em forma de cruz, saudavel contra a peste.»

- 30 de Outubro de 1848 (Anúncio 13):
«INSTRUCÇÕES POPULARES ÁCERCA DA CHOLERA-MORBO, ou conselhos ao povo, sobre o que deve fazer, para se defender desta epidemia, e quando alguem fôr accomettido della, como se deve tratar, até que chege facultativo: por João Ferreira, cirurgião da Escola do Porto – um folheto – Está-se a imprimir, e brevemente se publicará, e se porá á venda, em casa do auctor, na rua dos Lavadouros nº45, e nas lojas de livros. Preço 120 reis.»

- 06 de Novembro de 1848 (Anúncio 14):
O mesmo anúncio, mas o preço já desceu para 100 reis! Também indica com mais detalhe onde se vende: casa do autor, Typographia Commercial, Cruz Coutinho (Porto); Viúva Bertrand (Lisboa); José de Mesquita (Coimbra); António de Freitas Guimarães (Braga); António Tristão de Sousa (Lamego); André Joaquim Pereira (Vianna); Carqueja (Oliveira d’Azemeis); Antonio de Souza Maia (Valença).

- 07 de Novembro de 1848 (Anúncio 15):
«Acaba de sahir á luz um folheto intitulado – Guia para direcção de todos; mas principalmente dos habitantes das aldeas, no tractamento caseiro da cholera morbo epidemica, enquanto não chega facultativo; por J. G. L. da C. Sinval.»

- 08 de Novembro de 1848 (Anúncio 16):
«Guia para o tractamento domestico da Cholera morbo, em quanto não chega facultativo; por J. G. L. da C. Sinval, Cirurgião Medico, pela Escola Medico-Cirurgica de Lisboa, e lente na Escola Medico-Cirurgica do Porto – Vende-se por 40 reis em todas as lojas de livros.»

- 11 de Dezembro de 1848 (Anúncio 17):
«Breves considerações e conselhos praticos sobre a cholera-morbo asiatica. Por J. Peres F. G. Vende-se no Porto, nas lojas dos snrs. Cruz Coutinho, Moré, e Santos na travessa da Fábrica e em Lisboa na loja da snra. Viuva Bertrand, e n’outras terras do reino.»

Como se vê, temos aqui produtos para quase todo o tipo de clientela. Desde a oraçãozinha, passando pelo folheto de 40 reis, até às respeitáveis instruções a 120 reis do Dr. João Ferreira, o qual teve de descer o preço para 100 reis quando confrontado com o folheto de 40 reis do Dr. Sinval. A rapidez com que tudo se processa é indicador da existência de um mercado amadurecido e estável (o suficiente previsível para assegurar o investimento) e uma cadeia de produção e comercialização que não pode ser apenas artesanal. Aqui vemos a indústria tipográfica a funcionar, embora à escala da Cidade do Porto.